Recebi esse texto de um professor no curso de pós-graduação. Achei muito bacana, decidi compartilhar com vocês!
Um dos problemas de comunicação, tanto de massas como a interpessoal, é o de como o receptor, ou seja, o outro, ouve o que o emissor, ou seja, a pessoa falou. Numa mesma cena de telenovela, notícia de telejornal ou num simples papo ou discussão, observo que a mesma frase permite diversos níveis de entendimento. Numa conversação dá-se o mesmo. Raras, raríssimas, são as pessoas que procuram ouvir exatamente o que a outra está dizendo.
Diante desse quadro, vendo desenvolvendo uma série de observações e como ando bastante entusiasmado com a formulação delas, divido-as com o competente leitorado que, por certo, me ajudará passando-me as pesquisas que tenha a respeito.
Observe que:
1 - Em geral, o receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que o outro não está dizendo.
2 - O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que quer ouvir.
3 - O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que já escutara antes e coloca o que o outro está falando naquilo que está acostumado a ouvir.
4 - O receptor não ouve o que o outro fala: ele ouve o que imagina que o outro ia falar.
5 - Numa discussão, em geral, os discutidores não ouvem o que o outro está falando. Eles ouvem quase que só o que estão pensando para dizer em seguida.
6 - O receptor não ouve o que o outro fala. Ele apenas ouve o que gostaria de ouvir o que o outro dissesse.
7 - A pessoa não ouve o que a outra fala. Ela apenas ouve o que está sentindo.
8 - A pessoa não ouve o que a outra fala. Ela ouve o que já pensava a respeito daquilo que a outra está falando.
9 - A pessoa não ouve o que a outra está falando. Ela retira da fala da outra apenas as partes que tenham a ver com ela e a emocionem, agradem ou molestem.
10- A pessoa não ouve o que a outra está falando. Ouve o que confirme ou rejeite o seu próprio pensamento. Vale dizer, ela transforma o que a outra está dizendo em objeto de concordância ou discordância.
11- A pessoa não ouve o que a outra está falando. Ouve o que possa se adaptar ao impulso de amor, raiva ou ódio que já sentia pela outra.
12- A pessoa não ouve o que a outra está falando. Ouve da fala dela apenas aqueles pontos que possam fazer sentido para as idéias e pontos de vistas que no momento a estejam influenciando ou tocando mais diretamente.
Esses doze pontos mostram como é raro e difícil conversar. Como é raro e difícil comunicar-se! O que há, em geral, ou são monólogos simultâneos trocados à guisa de conversa, ou são monólogos paralelos, à guisa de diálogo. O próprio diálogo pode haver sem que necessariamente haja comunicação. Esta só se dá quando ambos os pólos se ouvem, não, é claro, no sentido de "escutar", mas no sentido de procurar compreender em sua extensão e profundidade o que o outro está dizendo.
Ouvir, portanto, é muito raro. É necessário limpar a mente de todos os ruídos e interferências do próprio pensamento durante a fala alheia.
Ouvir implica uma entrega ao outro, uma diluição nele. Daí a dificuldade de as pessoas inteligentes efetivamente ouvirem. A sua inteligência em funcionamento permanente, o seu hábito de pensar, avaliar, julgar e analisar tudo interferem como ruído na plena recepção daquilo que o outro está falando.
Não é só a inteligência a atrapalhar a plena audiência. Outros elementos perturbam o ato de ouvir. Um deles é o mecanismo de defesa. Há pessoas que se defendem de ouvir o que as outras estão dizendo, por verdadeiro pavor inconsciente de perderem a si mesmas. Elas precisam "não ouvir" por que "não ouvindo" livram-se da retificação dos próprios pontos de vista, da aceitação de realidades diferentes das próprias, de verdades idem e assim por diante. Livram-se do novo, que é saúde, mas as apavora. Não ouvir é, pois, um sólido mecanismo de defesa.
Ouvir é um grande desafio. Desafio de abertura interior; de impulso na direção do próximo, de comunhão com ele, de aceitação dele como é e como pensa. Ouvir é proeza. Ouvir é raridade. Ouvir é ato de sabedoria.
Depois que a pessoa aprende a ouvir, ela passa a fazer descobertas incríveis escondidas ou patentes em tudo aquilo que os outros estão dizendo a propósito de falar.
(Artur da Távola, "O Globo", 04/02/79).